sábado, 3 de julho de 2021

CLÉA POR CLÉA (1.4.3) ÍNTEGRA

 

 "Eu ia me chamar Lea, Dea, e acabei Cléa, gostei! Foi meu primo Zezé quem escolheu. Antes de casar tudo foi normal: pai, mãe, tios, primos, anos dourados, festas de cinco as nove, mamãe levando e dormindo no salão, pai bravo e vigilante, filha de Maria e muitos namoradinhos. Acho que foi um tempo feliz.

Tenho duas irmãs. Eu as achava bem mais velhas, hoje temos a mesma idade. As duas eram mais amigas e eu tinha as minhas próprias. Acabei encontrando aquele homem trabalhador, ganhando dinheiro e quase “velho”. Eu tinha quinze anos e ele vinte e quatro anos. De tanto repetir para as amigas “Vou ficar noiva, casar e morar em Minas”, acabei noivando, casando e morando em Minas.

Casamento duplo, a minha irmã mais velha aproveitou a deixa e casou no mesmo dia. Tudo duplo: casamento, carro, padrinho, madrinha, presentes, festa, pai, mãe e a irmã que ficou solteira e dançou a festa toda. De repente me vi num trem com um marido. Não me lembro de como estava vestida, mas certamente de vestido e chapéu. Olhei para trás e vi meu pai e minha irmã solteira acenando para nós. Minha irmã ria ria e ria, até hoje não sabemos de quê. Em Minas fui morar com duas tias mineiras e solteiras do meu marido. (...) Eu gostava de rezar, comungar e assistir missa todos os dias.

Daí a esperar um filho foi um pulo. Estava esperando um bebê. Minha casa própria estava sendo construída com jardim de inverno e um lago dentro da sala, na Rua Tiriri, em Belo Horizonte. Acho que nem aproveitei a casa, pois logo depois do nascimento da Glorinha, nos mudamos de volta para o Rio. 



Papai se animou e comprou uma casa na Rua Barão do Bom Retiro, no Grajaú que, depois de um empréstimo, meu marido pagou tim-tim por tim-tim ao meu pai. Era uma casa linda. Lembro da sala enorme, da escada com mármore carrara, dos quartos espaçosos e armários embutidos. Na enorme sala havia somente um sofá de plástico azul encostado num canto para economizarmos espaço para as festas que organizávamos “para as crianças”. Tinha orquestra, canto, dança, mas quase não tinha criança. A minha filha do meio emburrada, meu filho mais novo de chupeta e minha filha mais velha dançando. Pena tudo ter passado tão rápido.



Rua Barão do Bom Retiro - Grajaú

No quintal havia uma mangueira, que além das mangas também guardava balas escondidas pelas crianças, para eu não comer. Conheci a Marlene, vizinha da direita, e as vizinhas da esquerda. Uma delas namorava o Roberto Carlos no início da carreira, na época da Jovem Guarda. Fui apresentada ao Rei e meu marido ficava na varanda ouvindo suas músicas e comentando o futuro promissor que o aguardava.

Perto de nós morava a minha queridíssima tia Antônia. Era encantadora. Costumávamos ir sempre à sua casa, o que era um prazer para nós, os sobrinhos, Saudades de suas brincadeiras, de seus almoços, suas estórias... e sua mesa de pôquer. Um dia obrigamos minha irmã solteira a jogar. Ela não queria, mas teve que aprender porque faltava parceiro. Lá, as tardes passavam rápidas. O jogo começava quando eu levava as minhas filhas para o colégio e terminava quando terminava a aula. Eu esperava o terceiro (e último) filho. À noite jogávamos lá em casa pois o Juninho nasceu e eu não podia sair. Às vezes minha mãe jogava e a minha outra irmã QUE NÃO BLEFAVA.... Quando ela apostava, todo mundo corria...

Tia Tininha era solteira e irmã de caridade. Cismou que os comunistas iam matar sua família e rasgou todos os nossos retratos. De tão apavorada, ficou doente e teve que sair do convento. Aqui fora, conservou os seus hábitos. Tomava banho de camisola e levava as galochas para a eventualidade do chão do banheiro se molhar. Demorava duas horas no banho apesar das insistentes batidinhas na porta. Morava com muita gente e era no tempo em que toda casa tinha um banheiro só.

Sempre que Tia Zizinha ia lá em casa, conversava muito com papai e ele escutava o que ela dizia. Através dela conseguimos que minha irmã Didi namorasse na porta de casa. Foi uma vitória. Ela tinha quatorze anos. Naquela época eu era a única que podia ir ao cinema com as colegas. Papai (Levy Teixeira de Menezes) usava o sistema de inversão: cinema sozinha só até os treze anos, depois só acompanhada pela minha mãe. Mal sabia ele que nas minhas idas ao cinema conheci o Baby, um namorado que me apaixonei! Depois conheci o Zequinha, o Léo e outros. Eram relacionamento de amizade.

Contaram-me que eu tinha uma tia-avó, que de tanto jogar pôquer com homens, acabou falando no masculino: Hoje estou tão azarado! Seu marido adoeceu e os filhos contrataram um enfermeiro pra tomar conta do pai, pois ela saía e jogava o dia inteiro, Um dia faltou parceiro e ela levou o enfermeiro.

Papai era um homem bom, inteligente e nos dava todo o conforto. Participava integralmente de nossas vidas. Aconselhava as filhas a não terem pressa de casar. Valorizava muito o estudo e nos dizia: vocês podiam ser médicas, engenheiras, arquitetas...

Acompanhava quanto eu ganhava como professora, os aumentos, abonos, licenças-prêmio. Mas se ele se sentasse à mesa e não tivesse farinha, água geladíssima e guardanapo, ele se levantava.

(...) O Antenor, para não se aborrecer, não abria correspondências do banco, nem do Ministério da Fazenda e instituições afins. Tampouco as cartas que ele tinha certeza de que não traziam notícias boas. Tinha um astral maravilhoso, nas festas era sempre o último a sair. Morreu novo. Amava tanto a vida.

A Didi (1.4.1) , quando criança, gostava de desmaiar, mas escolhia sempre lugares macios, tapetes, poltronas e acolchoados. Quando eu era pequena, ouvia os adultos brincarem que havia uma divisão na família Menezes: os loucos e os bobos. Eu chorava muito porque queria pertencer ao grupo dos loucos.

Na casa de quintal do meu pai, ele tinha feito no fundo três quartos de empregada. Um deles para a Bárbara (que tinha sido sua babá e gostava de beber). Ela vivia aos gritos brigando com as outras empregadas, discutindo e criando caso. Uma gritaria. E então, meu pai, depois de muito reclamar, chamou um pedreiro e mandou fazer janelinhas de comunicação entre os quartos para que a Bárbara brigasse com as outras mais baixo. A família do papai era difícil de entender, até hoje fico meio confusa. Meu avô era viúvo e tinha filhos, casou com minha avó Vicentina que era viúva e tinha filhos. O primeiro marido da vovó também tinha um filho. Todos casaram e tiveram filhos. Uma confusão.

Quando eu estava para casar resolvi fazer o pré-natal sem o futuro marido mesmo porque ele morava em Minas. Fui com um casal de amigos, Lígia e Tarseu, que também iam se casar. Tinha que ser tudo escondido da mamãe. Coloquei uma combinação nova (naquela época usava combinação) e fui toda satisfeita. Duas coisas eu nunca vou esquecer: a bronca que mamãe me deu quando me viu de combinação nova e eu tive que confessar que havia feito o pré-natal (será que ela pensou que eu tinha perdido a virgindade?), e a árvore que os psicólogos mandaram eu desenhar. Até hoje não fui pegar o resultado.

Eu sempre tive um sono profundo, mas não dou o braço a torcer. Gosto de dormir cedo, na sala, de óculos, livro aberto no colo, de roupa, vendo televisão de luz acesa. Se alguém apagar a luz ou desligar a tevê, acordo instantaneamente e finjo que não estava dormindo. Também gosto de comer à noite, meio dormindo, para compensar o regime rígido a que me submeto durante o dia. A Glória tenta me convencer a vestir uma camisola, apagar a luz, e deitar na cama do meu próprio quarto mas eu não vou, entre um ronco e outro juro que estou sem sono. Assistindo vídeo uma vez, dei uma mancada. Eu cochilava quando a Glória comentou com minha irmã Helena: Ih a legenda tá tão ruim, né? Abri os olhos no meio da frase e arrisquei: É mesmo...coitada!

Meu primo Paulo Maia veio do interior de Minas estudar no Rio, e era muito engraçado: ele fala que depois que parou de beber, nem ele mesmo se aguenta de tão chato.

A Didi não entende uma palavra que a Marta Maia fala no telefone. Quando a Marta ri, a Didi diz: Que bom! Quando o som da voz é triste, diz: Que chato... (...)

Tomar conta de filho depois das oito horas da noite é dose pra leão, pois é sempre o sono que toma conta de mim. Glória adolescente começou a namorar o Nelsinho na sala. Eu ficava na outra sala cochilando e nos intervalos do meu sono, sentia tudo muito quieto e dava uma de bem acordada. Chamava: Glória, que horas são? Mas nem esperava a resposta e dormia novamente. A Glória tampouco respondia. O Nelsinho ficava preocupado: A sua mãe está perguntando as horas... Mas eu já estava roncando...

Minha mãe me superprotegia. Trabalhávamos na mesma escola, ela como diretora, e eu como professora. Ela escolhia pra mim os melhores alunos, fazia minha ficha de chamada, telefonava me acordando pra trabalhar, organizava as festas de aniversário dos meus filhos. Não sei como consegui sobreviver sem ela.

(...) Meu primo mais novo gostava de se exibir quando criança mostrando que já sabia escrever o nome “com um inocente preguinho” no carro novinho do meu cunhado. Escrevia Maurício Menezes. Hoje ele é um grande jornalista.

Meu pai nos levava a festas, eu e minhas irmãs tínhamos que ficar sempre juntas. Uma não podia dançar se as outras não dançassem. E arranjar três rapazes que ao mesmo tempo nos tirassem pra dançar era difícil à beça. Quando uma sentisse sede, as outras duas tinham que acompanhá-la. E eu imaginava: será que vamos casar no mesmo dia? Errei por pouco. Lembro do nosso casamento com um bolo enorme, mas que a doceira colocou sal no lugar do açúcar.

A minha noite de núpcias no Hotel São Francisco, no Centro, foi um suplício. Tive vergonha até de tirar o chapéu.

Tia Antônia casou-se com o Rangel. Mas ela trocava o L pelo R e dizia: Rangér. Inacreditavelmente assim batizaram seus filhos: Delba (Derba), Colbert (Corber), Alba (Arba) e Marta, que virou Malta.

Imagina que tenho 60 anos! Às vezes me sinto uma criança! Aquela criança que morava no Grajaú, no 2225, morava com papai, mamãe e irmãs. Brincava no carnaval no Clube Grajaú, com o Araken, que tinha um olho de cada co: verde e castanho. Lembro do Sidney, que namorava a minha irmã mais velha, Didi. Sempre achei que eles iam se casar. A vida mudou, talvez o destino e a Didi casou com o Antônio, meu cunhado tão bacana! A Helena casou com o Adyr e eu com o Antenor. Todos com a letra A. De amor, amizade, ansiedade, etc, etc, etc...

O Antenor já morreu e eu me sinto sozinha como se tivesse três filhos pra criar, sozinha... Engraçado como ele ainda me faz falta! A minha colega do colégio dizia que eu não deveria falar que era viúva, pois viúva era sinônimo de pobreza, tristeza, e que as pessoas olhariam pra mim com pena.

Já consegui reunir aqui em casa os Menezes que moram no Rio. Tia Pequenina e primos: Shirley e Solange, primas e amigas. Conversamos muito pelo telefone, Maria Cecília, Carminha, marido e filhos, Letícia e o filho do meu primo Colbert, que veio com a esposa, e o caçula dos primos, o Maurício. Mesmo ficando muito tempo sem vê-lo, quando nos encontramos é uma festa para mim! Ele é espirituoso e os seus casos gozadíssimos. Veio também a minha irmã Didi de São Paulo, e a irmã Helena, que já estava aqui em casa.

A vida continua e a família aumenta. O Toninho, filha da minha irmã Vicentina (Didi) já tem dois filhos: Rodrigo e Antônio Neto.

Helena tem dois filhos: Gustavo, que eu apresento assim: Ele trabalha na Caixa Econômica. E Sheila, professora. Pra mim, eles não têm defeitos.

Meus filhos cresceram e se tornaram adultos. Levei um susto! Glorinha, minha filha, mãe da minha neta Maíra, que eu amo tanto! É estudiosíssima, poeta, professora de tecelagem. Uma vez ouvi com orgulho um rapaz dizer que se tivesse uma filha queria que fosse igual à Glorinha.

Rosana é bem Menezes. Gosta de rir da família, risonha e muito companheira. Uma ótima dona de casa, inteligente, gosta de música, de artes.

Antenor Filho, às vezes é um enigma! Educado, calado perto da família, aquele Juninho de chupeta...

Cheguei aqui e não falei da minha querida Cidália, fomos criadas juntas. Tivemos muitos casos pra contar. A nossa ida à igreja da Penha, promessa... Fomos escondido das famílias e às 4 horas da manhã, escuro ainda já estávamos na Penha! Na volta, levamos a maior bronca! Mas, no fundo, eu me sentia feliz! Tinha cumprido a promessa. Comungávamos e assistíamos missa todos os dias...

A Alba, que saudades da prima, amiga, parte da minha infância, adolescência! Ela me ensinava a recitar. Tinha uma poesia para o colégio: ”Ama com fé e orgulho a terra em que nasceste”... e depois” é um seio de mãe a transbordar carinho”. Eu não queria falar “seio”, achava que era um palavrão. Tinha uns 10 anos de idade.

Hoje, 7 de agosto de 1994, acordei pensando. Será que quando morrermos, encontraremos as pessoas que amamos na terra? Quero me encontrar com papai e mamãe, tios e tias e primos que morreram.

E eu continuando a vida. “A gente só envelhece quando substituímos os sonhos pelas lamentações”. Acho que estou envelhecendo. É uma pena!"






A casa do meu pai. Rua Barão do Bom Retiro, 2225 -  Grajaú

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