"Eu ia me chamar Lea, Dea, e acabei Cléa, gostei! Foi meu
primo Zezé quem escolheu. Antes de casar tudo foi normal: pai, mãe, tios,
primos, anos dourados, festas de cinco as nove, mamãe levando e dormindo no
salão, pai bravo e vigilante, filha de Maria e muitos namoradinhos. Acho que
foi um tempo feliz.
Tenho duas irmãs. Eu as
achava bem mais velhas, hoje temos a mesma idade. As duas eram mais amigas e eu
tinha as minhas próprias. Acabei encontrando aquele homem trabalhador, ganhando
dinheiro e quase “velho”. Eu tinha quinze anos e ele vinte e quatro anos. De
tanto repetir para as amigas “Vou ficar noiva, casar e morar em Minas”, acabei
noivando, casando e morando em Minas.
Casamento duplo, a
minha irmã mais velha aproveitou a deixa e casou no mesmo dia. Tudo duplo:
casamento, carro, padrinho, madrinha, presentes, festa, pai, mãe e a irmã que
ficou solteira e dançou a festa toda. De repente me vi num trem com um marido.
Não me lembro de como estava vestida, mas certamente de vestido e chapéu. Olhei
para trás e vi meu pai e minha irmã solteira acenando para nós. Minha irmã ria
ria e ria, até hoje não sabemos de quê. Em Minas fui morar com duas tias
mineiras e solteiras do meu marido. (...) Eu gostava de rezar, comungar e
assistir missa todos os dias.
Daí a esperar um filho foi um pulo. Estava esperando um bebê. Minha casa própria estava sendo construída com jardim de inverno e um lago dentro da sala, na Rua Tiriri, em Belo Horizonte. Acho que nem aproveitei a casa, pois logo depois do nascimento da Glorinha, nos mudamos de volta para o Rio.
Papai se animou e comprou uma casa na Rua Barão do Bom Retiro, no Grajaú que, depois de um empréstimo, meu marido pagou tim-tim por tim-tim ao meu pai. Era uma casa linda. Lembro da sala enorme, da escada com mármore carrara, dos quartos espaçosos e armários embutidos. Na enorme sala havia somente um sofá de plástico azul encostado num canto para economizarmos espaço para as festas que organizávamos “para as crianças”. Tinha orquestra, canto, dança, mas quase não tinha criança. A minha filha do meio emburrada, meu filho mais novo de chupeta e minha filha mais velha dançando. Pena tudo ter passado tão rápido.
No quintal havia uma
mangueira, que além das mangas também guardava balas escondidas pelas crianças,
para eu não comer. Conheci a Marlene, vizinha da direita, e as vizinhas da
esquerda. Uma delas namorava o Roberto Carlos no início da carreira, na época
da Jovem Guarda. Fui apresentada ao Rei e meu marido ficava na varanda ouvindo
suas músicas e comentando o futuro promissor que o aguardava.
Perto de nós morava a
minha queridíssima tia Antônia. Era encantadora. Costumávamos ir sempre à sua
casa, o que era um prazer para nós, os sobrinhos, Saudades de suas
brincadeiras, de seus almoços, suas estórias... e sua mesa de pôquer. Um dia
obrigamos minha irmã solteira a jogar. Ela não queria, mas teve que aprender
porque faltava parceiro. Lá, as tardes passavam rápidas. O jogo começava quando
eu levava as minhas filhas para o colégio e terminava quando terminava a aula.
Eu esperava o terceiro (e último) filho. À noite jogávamos lá em casa pois o
Juninho nasceu e eu não podia sair. Às vezes minha mãe jogava e a minha outra
irmã QUE NÃO BLEFAVA.... Quando ela apostava, todo mundo corria...
Tia Tininha era
solteira e irmã de caridade. Cismou que os comunistas iam matar sua família e
rasgou todos os nossos retratos. De tão apavorada, ficou doente e teve que sair
do convento. Aqui fora, conservou os seus hábitos. Tomava banho de camisola e
levava as galochas para a eventualidade do chão do banheiro se molhar. Demorava
duas horas no banho apesar das insistentes batidinhas na porta. Morava com
muita gente e era no tempo em que toda casa tinha um banheiro só.
Sempre que Tia Zizinha
ia lá em casa, conversava muito com papai e ele escutava o que ela dizia.
Através dela conseguimos que minha irmã Didi namorasse na porta de casa. Foi
uma vitória. Ela tinha quatorze anos. Naquela época eu era a única que podia ir
ao cinema com as colegas. Papai (Levy Teixeira de Menezes) usava o sistema de
inversão: cinema sozinha só até os treze anos, depois só acompanhada pela minha
mãe. Mal sabia ele que nas minhas idas ao cinema conheci o Baby, um namorado
que me apaixonei! Depois conheci o Zequinha, o Léo e outros. Eram
relacionamento de amizade.
Contaram-me que eu
tinha uma tia-avó, que de tanto jogar pôquer com homens, acabou falando no
masculino: Hoje estou tão azarado! Seu marido adoeceu e os filhos contrataram
um enfermeiro pra tomar conta do pai, pois ela saía e jogava o dia inteiro, Um
dia faltou parceiro e ela levou o enfermeiro.
Papai era um homem bom,
inteligente e nos dava todo o conforto. Participava integralmente de nossas
vidas. Aconselhava as filhas a não terem pressa de casar. Valorizava muito o
estudo e nos dizia: vocês podiam ser médicas, engenheiras, arquitetas...
Acompanhava quanto eu
ganhava como professora, os aumentos, abonos, licenças-prêmio. Mas se ele se
sentasse à mesa e não tivesse farinha, água geladíssima e guardanapo, ele se
levantava.
(...) O Antenor, para
não se aborrecer, não abria correspondências do banco, nem do Ministério da
Fazenda e instituições afins. Tampouco as cartas que ele tinha certeza de que
não traziam notícias boas. Tinha um astral maravilhoso, nas festas era sempre o
último a sair. Morreu novo. Amava tanto a vida.
A Didi (1.4.1) , quando criança, gostava de desmaiar, mas escolhia sempre
lugares macios, tapetes, poltronas e acolchoados. Quando eu era pequena, ouvia
os adultos brincarem que havia uma divisão na família Menezes: os loucos e os
bobos. Eu chorava muito porque queria pertencer ao grupo dos loucos.
Na casa de quintal do
meu pai, ele tinha feito no fundo três quartos de empregada. Um deles para a
Bárbara (que tinha sido sua babá e gostava de beber). Ela vivia aos gritos
brigando com as outras empregadas, discutindo e criando caso. Uma gritaria. E
então, meu pai, depois de muito reclamar, chamou um pedreiro e mandou fazer
janelinhas de comunicação entre os quartos para que a Bárbara brigasse com as
outras mais baixo. A família do papai era difícil de entender, até hoje fico
meio confusa. Meu avô era viúvo e tinha filhos, casou com minha avó Vicentina
que era viúva e tinha filhos. O primeiro marido da vovó também tinha um filho.
Todos casaram e tiveram filhos. Uma confusão.
Quando eu estava para
casar resolvi fazer o pré-natal sem o futuro marido mesmo porque ele morava em
Minas. Fui com um casal de amigos, Lígia e Tarseu, que também iam se casar.
Tinha que ser tudo escondido da mamãe. Coloquei uma combinação nova (naquela
época usava combinação) e fui toda satisfeita. Duas coisas eu nunca vou esquecer:
a bronca que mamãe me deu quando me viu de combinação nova e eu tive que
confessar que havia feito o pré-natal (será que ela pensou que eu tinha perdido
a virgindade?), e a árvore que os psicólogos mandaram eu desenhar. Até hoje não
fui pegar o resultado.
Eu sempre tive um sono
profundo, mas não dou o braço a torcer. Gosto de dormir cedo, na sala, de
óculos, livro aberto no colo, de roupa, vendo televisão de luz acesa. Se alguém
apagar a luz ou desligar a tevê, acordo instantaneamente e finjo que não estava
dormindo. Também gosto de comer à noite, meio dormindo, para compensar o regime
rígido a que me submeto durante o dia. A Glória tenta me convencer a vestir uma
camisola, apagar a luz, e deitar na cama do meu próprio quarto mas eu não vou,
entre um ronco e outro juro que estou sem sono. Assistindo vídeo uma vez, dei
uma mancada. Eu cochilava quando a Glória comentou com minha irmã Helena: Ih a
legenda tá tão ruim, né? Abri os olhos no meio da frase e arrisquei: É
mesmo...coitada!
Meu primo Paulo Maia veio
do interior de Minas estudar no Rio, e era muito engraçado: ele fala que depois
que parou de beber, nem ele mesmo se aguenta de tão chato.
A Didi não entende uma
palavra que a Marta Maia fala no telefone. Quando a Marta ri, a Didi diz: Que
bom! Quando o som da voz é triste, diz: Que chato... (...)
Tomar conta de filho
depois das oito horas da noite é dose pra leão, pois é sempre o sono que toma
conta de mim. Glória adolescente começou a namorar o Nelsinho na sala. Eu
ficava na outra sala cochilando e nos intervalos do meu sono, sentia tudo muito
quieto e dava uma de bem acordada. Chamava: Glória, que horas são? Mas nem
esperava a resposta e dormia novamente. A Glória tampouco respondia. O Nelsinho
ficava preocupado: A sua mãe está perguntando as horas... Mas eu já estava
roncando...
Minha mãe me
superprotegia. Trabalhávamos na mesma escola, ela como diretora, e eu como
professora. Ela escolhia pra mim os melhores alunos, fazia minha ficha de
chamada, telefonava me acordando pra trabalhar, organizava as festas de
aniversário dos meus filhos. Não sei como consegui sobreviver sem ela.
(...) Meu primo mais
novo gostava de se exibir quando criança mostrando que já sabia escrever o nome
“com um inocente preguinho” no carro novinho do meu cunhado. Escrevia Maurício
Menezes. Hoje ele é um grande jornalista.
Meu pai nos levava a
festas, eu e minhas irmãs tínhamos que ficar sempre juntas. Uma não podia
dançar se as outras não dançassem. E arranjar três rapazes que ao mesmo tempo
nos tirassem pra dançar era difícil à beça. Quando uma sentisse sede, as outras
duas tinham que acompanhá-la. E eu imaginava: será que vamos casar no mesmo
dia? Errei por pouco. Lembro do nosso casamento com um bolo enorme, mas que a
doceira colocou sal no lugar do açúcar.
A minha noite de núpcias
no Hotel São Francisco, no Centro, foi um suplício. Tive vergonha até de tirar
o chapéu.
Tia Antônia casou-se
com o Rangel. Mas ela trocava o L pelo R e dizia: Rangér. Inacreditavelmente
assim batizaram seus filhos: Delba (Derba), Colbert (Corber), Alba (Arba) e
Marta, que virou Malta.
Imagina que tenho 60
anos! Às vezes me sinto uma criança! Aquela criança que morava no Grajaú, no
2225, morava com papai, mamãe e irmãs. Brincava no carnaval no Clube Grajaú,
com o Araken, que tinha um olho de cada co: verde e castanho. Lembro do Sidney,
que namorava a minha irmã mais velha, Didi. Sempre achei que eles iam se casar.
A vida mudou, talvez o destino e a Didi casou com o Antônio, meu cunhado tão
bacana! A Helena casou com o Adyr e eu com o Antenor. Todos com a letra A. De
amor, amizade, ansiedade, etc, etc, etc...
O Antenor já morreu e
eu me sinto sozinha como se tivesse três filhos pra criar, sozinha... Engraçado
como ele ainda me faz falta! A minha colega do colégio dizia que eu não deveria
falar que era viúva, pois viúva era sinônimo de pobreza, tristeza, e que as
pessoas olhariam pra mim com pena.
Já consegui reunir aqui
em casa os Menezes que moram no Rio. Tia Pequenina e primos: Shirley e Solange,
primas e amigas. Conversamos muito pelo telefone, Maria Cecília, Carminha,
marido e filhos, Letícia e o filho do meu primo Colbert, que veio com a esposa,
e o caçula dos primos, o Maurício. Mesmo ficando muito tempo sem vê-lo, quando
nos encontramos é uma festa para mim! Ele é espirituoso e os seus casos gozadíssimos.
Veio também a minha irmã Didi de São Paulo, e a irmã Helena, que já estava aqui
em casa.
A vida continua e a
família aumenta. O Toninho, filha da minha irmã Vicentina (Didi) já tem dois
filhos: Rodrigo e Antônio Neto.
Helena tem dois filhos:
Gustavo, que eu apresento assim: Ele trabalha na Caixa Econômica. E Sheila,
professora. Pra mim, eles não têm defeitos.
Meus filhos cresceram e
se tornaram adultos. Levei um susto! Glorinha, minha filha, mãe da minha neta
Maíra, que eu amo tanto! É estudiosíssima, poeta, professora de tecelagem. Uma
vez ouvi com orgulho um rapaz dizer que se tivesse uma filha queria que fosse
igual à Glorinha.
Rosana é bem Menezes.
Gosta de rir da família, risonha e muito companheira. Uma ótima dona de casa,
inteligente, gosta de música, de artes.
Antenor Filho, às vezes
é um enigma! Educado, calado perto da família, aquele Juninho de chupeta...
Cheguei aqui e não
falei da minha querida Cidália, fomos criadas juntas. Tivemos muitos casos pra
contar. A nossa ida à igreja da Penha, promessa... Fomos escondido das famílias
e às 4 horas da manhã, escuro ainda já estávamos na Penha! Na volta, levamos a
maior bronca! Mas, no fundo, eu me sentia feliz! Tinha cumprido a promessa.
Comungávamos e assistíamos missa todos os dias...
A Alba, que saudades da
prima, amiga, parte da minha infância, adolescência! Ela me ensinava a recitar.
Tinha uma poesia para o colégio: ”Ama com fé e orgulho a terra em que
nasceste”... e depois” é um seio de mãe a transbordar carinho”. Eu não queria
falar “seio”, achava que era um palavrão. Tinha uns 10 anos de idade.
Hoje, 7 de agosto de
1994, acordei pensando. Será que quando morrermos, encontraremos as pessoas que
amamos na terra? Quero me encontrar com papai e mamãe, tios e tias e primos que
morreram.
E eu continuando a
vida. “A gente só envelhece quando substituímos os sonhos pelas lamentações”.
Acho que estou envelhecendo. É uma pena!"
A casa do meu pai. Rua Barão do Bom Retiro, 2225 - Grajaú
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