“Ao
casar-se, meu avô levou um menino pretinho que criara, e que já estava com sete
anos. O menino pretinho o chamava Padrinho e à minha avó, Madrinha; de toda
confiança, ajudava nas lidas da casa, nas compras, a cuidar das crianças.
Aprendera a ler e escrever muito bem. Todos gostavam muito dele.
Cresceram
todos juntos, e como sempre acontece, depois de adultos, foi cada qual para seu
lado.
Meu
avô morreu com mais de oitenta anos, estava paraplégico há mais de onze anos!
Às
vésperas de morrer, reuniu todos os filhos (eram sete), e pediu que mandassem
buscar Vicente, seu afilhado; sabia seu endereço. Jamais o perdera de vista.
Fez
a todos uma surpresa: Vicente também era seu filhos, nascido de uma escrava.
Ele o queria muito, que todos o recebessem como irmão. Não queria morrer sem
fazer justiça a esse filho mais velho.
Vicente
atendeu ao chamado, pensando que fosse apenas porque o Padrinho estivesse à
morte.
Todos
o abraçaram chorando, numa cena muito bonita.
Depois
do enterro de meu avô, convidaram o irmão negro a passar uns dias em casa de
cada um; seria apresentado às suas famílias, recomeçando aquela amizade de
tantos anos!
Alguns
meses depois, ele foi passar conosco uns dias em Água Dourada (talvez Lagoa da Prata).
Voltando
do Grupo Escolar e vendo que havia alguém na sala com meu Pai, entrei pela
porta dos fundos e fui tomar um café na cozinha.
Mãe
Nova, sempre muito engraçada, foi até lá e disse-me:- está vendo aquele preto
na sala, conversando com seu Pai? É seu tio, irmão de seu pai.
Fui
depressa ao corredor que dava para a sala, de maneira a ver bem o visitante.
Voltei
à cozinha e quis confirmar: - ele é meu tio? – Sim, disse meu Pai.
-
Como se chama?
-
Vicente.
Voltei
à sala, para valer:- à bênção, “ti” Vicente! Ele e meu pai riram, ele afagou
minha cabeça. Então fui para o portão de ferro que fechava a amurada em torno
de nossa casa; ficava em frente à porta de entrada da sala de visitas. Da rua,
a sala estando aberta, via-se muito bem seu interior. A todos que passavam, eu
chamava:- Psiu! Vê aquele preto na sala,
conversando com meu Pai? É meu tio, irmão de meu Pai. Olhavam, sorriam,
mancavam a cabeça, com certeza sem acreditar.
Foi
uma tarde gloriosa para mim. Aquele tio ficou conosco uma semana; estava velho,
com mais de sessenta anos, cardíaco, comendo dietas. Bonito, sereno, fala
macia; feições finas e olhos azuis, como meu avô”.
In: A rede era furta-cor, de Ana Bondespacho. Pseudônimo de Geralda
Soares de Menezes, cujo apelido era Jadica. CBAG Editora – Rio de Janeiro.
1980, Rio de Janeiro. Págs 45-46.
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